O garoto deveria ter uns onze anos e a professora pedira a redação sobre
a desigualdade.
Depois de muitos anos, encontrei o papel já amarelecido pelo tempo entre
os meus guardados, e, ao reler, não pude deixar de experimentar a mesma
emoção sentida há tanto tempo, quando o meu filho veio mostrar-me a nota
que havia ganho na aula de português.
“Será que existe desigualdade? Eu acho que sim. Mas eu acho que quem
nasce desigual do outro não tem culpa de ter nascido de tal forma. Mas
também acho que não deva ser injustiça de Deus. Meu ponto de vista sobre
isto é que cada ser humano tem uma herança. Uma herança de si mesmo. Vou
dar um exemplo para isto ficar mais claro: há pessoas que nascem com
facilidade para pintar, outros para tocar piano, e outros, para
esculpir, e assim vai. Pois eu não acho que seja por acaso que estas
pessoas têm tal inclinação. Mas a herança que eu digo, não é ser
parecido com o pai, os avós. Também existe a herança física, mas eu
estou falando daquilo que cada um traz consigo. Eu acho que isto conta
muito, porque uns têm heranças melhores e outros piores. Eu acho,
também, para terminar, que alguém um dia possa herdar um pouco da
minha herança”.
No rodapé da folha do caderno, a professora anotou em vermelho o
aforismo que deve ter surgido em sua mente após a leitura da redação:
cada ser humano tem uma herança de si mesmo.
E emendou: Alexandre, você é um filósofo. Enquadre e pendure na sala.